sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Terça-feira


Terça-feira


        Ele estava sozinho. Atrás dele, vultos deslizavam em sua dança silenciosa. Não adiantava correr, muito menos se esconder, tentar evitar seu destino era inútil. Enquanto ele suava e respirava silenciosamente atrás de uma árvore, o tempo parecia não passar. Há momentos atrás, ele correra por uma estrada desolada e escura, agora, escondia-se como uma barata, morrendo de medo.





        Pisou em um galho. O barulho chamou as coisas, que o cercaram rapidamente e atacaram.
        Acordou gritando em desespero, certo de que era seu fim. Mas após perceber que a estrada havia sumido e que estava em seu quarto, suspirou aliviado e jogou a cabeça no travesseiro, consternado. Através da janela aberta, podia ver uma coruja fitando-o com a cabeça torta. Luís odiava corujas. Ele acreditava que elas fizessem parte de algum tipo de conspiração alienígena. Todos os seus amigos riam de sua cara quando ele dividia essa interessante informação com eles, incrédulos. Mas independente da credulidade deles, ele sabia que, algum dia, encontraria a verdade, e então seria considerado um herói. Talvez até aparecesse na televisão.
        Eram somente cinco da manhã, mas o garoto só precisaria acordar às seis e meia, para se arrumar e ir para a escola. Ah, a escola. Hoje teria somente aula de matemática e português, seria possível haver um dia mais chato para se ter aulas do que a terça-feira? Resmungou sozinho e foi ligar o videogame, sem nem lembrar mais de seu sonho, o que é uma infelicidade, visto que lembrar dele poderia ter salvado sua vida no futuro.
        Jogou futebol. Gostava da simplicidade do jogo, o X passa, o quadrado cruza, se você apertar R1 enquanto anda, o jogador corre, e por aí vai. Perdeu a primeira partida pelo placar de 3x1 para o videogame. Certamente não mencioria isso perto dos amigos, que ririam de sua cara se soubessem que ele perdeu jogando sozinho. Durante a segunda partida, em que conseguiu empatar bravamente por 2x2 no final do jogo, lembrou de Daniel. Ele era um ás na arte do futebol virtual, já havia vencido campeonatos até na capital, mas depois da morte da irmã, tinha perdido um pouco da vontade de se exibir.
        Após perder mais uma partida por 2x1 e finalmente vencer uma, pelo placar de 3x0, Luís deu-se por satisfeito e desligou o videogame. Já eram 6 horas da manhã. Trocou de roupas, escovou os dentes e desceu para a cozinha, onde sua mãe estava fazendo café da manhã. O prato do dia era arroz com feijão. Ele comeu a comida, pegou a mochila e se foi para a escola.
        Como sempre, a manhã estava enevoada. No caminho, encontrou Larissa, e a recebeu com um beijo. Os dois estavam namorando há duas semanas, praticamente um recorde para Luís, cujo namoro mais longo durara 16 dias. No caminho, os dois comentaram trivialidades, como o resultado óbvio da eleição para rei no domingo passado, a péssima escolha para deputados federais e outros assuntos fora das eleições. Luís detestava as eleições. Detestava política em geral, mas escondia isso de sua namorada, que era líder do grêmio estudantil da escola, filha de um político e parecia bem interessada nestas besteiras. Por outro lado, além de bonita, era uma das poucas garotas com quem ele conseguia realmente conversar, em vez de ficar só na parte de beijos e amassos. Gostava dela, de seus cabelos loiros, sua pele macia, seus ouvidos atentos e comentários perspicazes sobre quase qualquer assunto.
        Chegaram na escola. Havia um alvoroço causado pelo pai de um aluno, que fora preso por ter feito sexo com uma amiga de 15 anos do filho. Os comentários se dividiam em dois grupos, aqueles que achavam execrável o comportamento dele, e aqueles que achavam que a idade de consentimento no Brasil ser de 16 anos era algo fora da realidade. “Deveriam trancá-lo na cadeia e jogar a chave fora”, disse uma das professoras, que não estava minimamente sensibilizada com o pobre aluno que ficaria sem a companhia do pai.
        Assim que o casal chegou na sala, Édson, Daniel e Taís cumprimentaram os dois e todos se prepararam para os três períodos consecutivos de matemática. Luís quase dormiu durante a aula, mas só não atingiu esse feito porque uma coruja parou na janela da sala e ficou o fitando. Corujas são animais noturnos, então por que apareciam tantas durante o dia ultimamente? Só podia ser coisa dos alienígenas. Riu sozinho, o que chamou a atenção da professora, que o chamou para responder uma questão difícil no quadro. Ele errou grotescamente e toda a turma riu dele. Por um momento, Luís teve um déjà vu, que interpretou como uma prova de sua evidente falha em responder as questões corretamente. Durante o intervalo, Édson comentou:
        - Me sinto estranho hoje.
        - Se você se sentisse normal, daí sim que eu ficaria preocupada - debochou Taís, fazendo todos os outros rirem.
        - É sério, gente. Que diazinho mais chato, é como se eu já tivesse tido aquela maldita aula de português 500 vezes, sei lá.
        Todos o olharam por um momento, e então perderam o interesse. - Aham, - começou Taís- deve ser porque o Luís é tão burro que a professora tem que explicar a matéria 500 vezes - e todos riram novamente. Taís era a piadista da turma, mas todos gostavam dela, porque era sempre ela que os tirava das encrencas. Édson, por outro lado, só ajudava com os temas, porque apesar de tirar as melhores notas entre a galera do grupo, parecia desajeitado para todo o resto.
        O grupo conversou tanto que se atrasou para a aula de português, que foi tão chata quanto a anterior. Durante a saída, marcaram de se encontrar às sete da noite em frente à igreja católica no centro da cidade. Com Larissa, Luís marcou as duas da tarde, na casa dele, para aproveitar que a mãe não estaria em casa.
        Transaram a tarde toda, e depois foram ao encontro do resto perto da igreja. O local estava rodeado de corujas. Os olhos dos pássaros brilhavam em meio ao céu do início de noite, e pareciam malignos. Foi o suficiente para motivar Luís a contar para a namorada sobre sua teoria, que fez até ela rir da cara dele.
        Quando todos se uniram, eles pegaram a estrada ao lado da igreja e tiraram as garrafas de vinho de dentro das mochilas. Iriam aproveitar que o dia seguinte era feriado e encher a cara. Édson tinha confessado a Luís que gostava de Taís quando o grupo saíra da escola antes do meio dia, e ia tentar algo com ela nesta noite. Foram andando pela estrada, sem nem ter muita noção de horários, e cada vez afastando-se mais da cidade. De repente, Luís sentiu um frio em seu estômago, uma vontade de vomitar. Quase caiu, mas sua garota o segurou e ele conseguiu ficar de pé. Meio atordoado, ainda conseguiu ouvir uma discussão sobre se deveriam voltar ou não pela estrada. Decidiram seguir em frente, e então tudo aconteceu rapidamente. Primeiro, Taís deu um fora em Édson, e então, eles ouviram o silêncio. Todos os sons sumiram ao mesmo tempo, e o vento ficou congelado, assim como os movimentos de todos os membros daquela caravana de bêbados. Segundos depois, cerca de uma dúzia de vultos negros apareceram ao longe. Enquanto todos estavam parados (de medo?), Taís se aproximou das estranhas figuras e começou a falar com elas. Em questão de segundos, os vultos pularam em cima dela e sangue jorrou por todos os lados. Como se o encanto tivesse sido quebrado, todos entenderam a situação e correram desesperados para longe da cidade. Daniel correu pelo meio do mato, para nunca mais ser visto, e Édson, que era lento, ficou para trás rapidamente.
        No fim, só Luís e Larissa permaneciam correndo pela estrada, até que ela tropeceu e ficou para trás. Com lágrimas nos olhos, o garoto assustado abandonou a única garota de quem realmente gostou para a morte, e correu por sua vida. Quando parecia estar despistando as estranhas criaturas, bateu em alguma coisa. Algo invisível, no meio da estrada. Esquecendo a dor no nariz, ele fugiu para o meio do mato e se escondeu atrás de uma árvore. Suspirou em silêncio, e quando foi mover o pé, pisou em um galho. Em questão de segundos, as criaturas estavam todas em volta dele. Elas pareciam sombras em silhuetas humanoides, com garras e dentes grandes e afiados. Antes de morrer, a última coisa que Luís viu foi uma coruja no topo da árvore.
        Acordou com um grito. Após um instante, percebeu que estava em seu quarto. Na janela, uma coruja o fitava. Malditas corujas, pensou, elas devem fazer parte de algum grupo de alienígenas. Como eram somente cinco da manhã, foi jogar futebol no videogame: jogou quatro partidas, perdendo duas de 3x1 e 2x1, empatando uma por 2x2 e vencendo a última por 3x0. Satisfeito, se arrumou e foi comer seu feijão com arroz.
        Na ida para a escola, a conversa com Larissa não foi das mais interessantes, ela falava demais sobre política. A escola não parava de falar sobre o pai que havia feito sexo com uma aluna e tinha ido preso. Quando ouviu a história, Luís pensou: “Eu já sabia”, e então parou, confuso. Como assim ele já sabia? Deveria ser besteira.
        Durante a aula de matemática, errou uma questão que tinha a mais absoluta certeza de que sabia a resposta. No intervalo, Édson comentou:
        - Me sinto estranho hoje.
        - Se você se sentisse normal, daí sim que eu ficaria preocupada - debochou Taís, fazendo todos os outros rirem.
        - É sério, gente. Que diazinho mais chato, é como se eu já tivesse tido aquela maldita aula de português 500 vezes, sei lá.
        Todos o olharam por um momento, e antes que Taís pudesse fazer alguma brincadeira maliciosa, Luís falou:
        - Concordo com você. Definitivamente tem algo estranho aqui. Tudo parece tão comum, tão repetitivo. Aliás, tive um déjà vu durante a aula. Me parece que respondi aquela questão errada 501 vezes.
        Logo, ele que virou alvo das gozações, e a vida continuou, como sempre. O encontro durante a noite estava marcado, assim como a tarde amorosa com Larissa.
        Sete horas, todos na frente da igreja. Luís se sentia mal. Algo havia incomodado ele desde o início do dia (além das corujas, obviamente), mas ele não conseguia saber muito bem o quê. A resposta só veio algumas horas mais tarde, quando o corpo de Taís foi dilacerado pelos vultos negros. Em um momento de choque, tudo ficou claro para ele. Infelizmente, isso não adiantou muito, pois ele foi o primeiro a ser dilacerado pelas criaturas.
        Grito. Alívio. Coruja na janela. Aquela sensação de sonho se esvaindo. Cinco da madrugada. Tédio. Videogame. 3x1. 2x2. 2x1. 3x0.
        Assim que desligou o videogame, Luís sentiu uma pontada de aflição. Parou, respirou e então as imagens vieram. Vultos negros matando a ele e aos amigos. A cabeça de Taís rolando. A repetição. Ele vivera o mesmo dia centenas de vezes sem se dar conta disso. Desesperado, vomitou no banheiro, mas sua ânsia não passou. Ele morreria durante a noite, somente para acordar em outra terça-feira e viver mais uma vez aquele dia. Era terrível! Ele não era mais dono de seu próprio destino. Ou era?
        Seguiu para a escola. Predizendo tudo que a namorada falaria, desviou completamente de assunto, e ninguém falou da eleição para rei. Na aula de matemática, acertou a questão que errara centenas de vezes. Ele poderia mudar o seu destino. Poderia fazer a diferença.
        Na saída da escola, desmarcou o passeio etílico pela estrada. Os amigos ficaram revoltados, especialmente Édson, que queria se declarar para Taís. Para modificar ainda mais seu destino, decidiu almoçar na casa de Daniel. Os amigos comeram batatas fritas e jogaram um pouco de videogame. Luís perdeu todas as partidas, mas não se desanimou, estava feliz de fazer algo que parecia não ter feito há muito tempo. Durante um jogo especialmente vergonhoso, em que ele perdia por 6x0, perguntou:
        - Então, cara, e se eu te dissesse que estamos vivendo esse dia em loop?
        - Eu riria da sua cara. Vai me dizer isso?
        - Sim, estamos vivendo em loop.
        Daniel riu com vontade - certo. E como parar isso?
        - Não sendo assassinado por vultos negros, eu acho.
        O amigo ficou sério - cara... pare com as drogas, sério - e riu.
        Luís riu também para disfarçar, pensando em como soava lunático. Só falara porque sabia que no pior dos casos, o amigo levaria na brincadeira. Ninguém dava crédito às suas teorias sobre corujas, porque iriam acreditar em mais uma sandice dessas? Voltando para casa, encontrou-se com Larissa e aproveitou a tarde junto dela. Ficaram deitados juntos até tarde. Enquanto ela pensava no filme que pretendia assistir em casa no dia seguinte, ele estava preocupado, pensando se conseguiria escapar dos vultos ou não. Pediu para a namorada ficar com ele até de manhã, mas ela recusou, e foi embora às nove horas, sozinha, porque ele se recusou a ir junto. Caso houvesse mesmo um amanhã, ele teria alguns problemas em bater o recorde de 16 dias namorando. Mas valia a pena, se significava sair daquele maldito loop.
        Passou o resto da noite sozinho em casa, olhando para o teto. Pela janela, uma coruja o observava, como se estivesse o estudando. Ele estava morrendo de medo, temia morrer do coração se um daqueles vultos aparecesse ali.
        23:59. Nada aconteceu. Respirou aliviado, sorrindo porque amanhã seria um novo dia. E assim, o minuto passou.
        Acordou. Desta vez não gritou, mas ao olhar a coruja na janela e o dia no calendário, começou a chorar. Ainda era a maldita terça-feira. Saiu correndo de casa e atirou pedras em todas as corujas que encontrou. Faltou na aula e passou o dia bebendo, até desmaiar.
        Acordou. Passou o dia jogando videogame trancado no quarto sem comer absolutamente nada. A mãe ameaçou chamar a polícia se ele não saísse do quarto. Fugiu da casa e se jogou na frente de um caminhão.
        Acordou. Subiu no topo de um prédio e se jogou.
        Acordou. Roubou a arma de seu pai e começou a atirar em todas as pessoas, até a polícia lhe acertar um tiro certeiro na cabeça.
        Acordou. Chorou.
        Acordou. Acordou. Acordou. Acordou. Acordou.
        Acordou. Desejava nunca ter descoberto o maldito loop em que estava preso. Manteve a sanidade e desceu para tomar o café da manhã. Nesta hora, indagou porque diabos estava comendo feijão e arroz no café da manhã. A mãe não tinha resposta.
        No caminho para a aula, percebeu que não fazia sentido algum uma república ter um rei. E ao chegar na escola, lembrou que a idade de consentimento no Brasil era de 14 anos, não 16. Algo estava muito errado. Calmo, passou toda a aula de matemática pensando em outras coisas erradas: alguns carros que andavam nas ruas eram anacrônicos, existia uma árvore que dava cenouras na parte de trás da escola, entre outras coisas. Mas nada era mais estranho do que aquela estrada e aqueles vultos. Não podia mais ter medo, tinha que investigar. Sabendo que os amigos relutariam em ajudar, fugiu da escola no intervalo e roubou um carro. Dirgiu até o local a toda velocidade, só para bater na coisa invisível. Por sorte, os airbags o salvaram, e ele pôde sair do carro. Era como se houvesse uma parede invisível bloqueando o caminho. Curiosamente, várias corujas voavam acima dele.
        Ele sorriu quando viu que os vultos, que durante o dia podiam ser percebidos facilmente como algum tipo de espectro maltrapilho com garras e dentes afiados, estavam se aproximando. Morreu sorrindo.
        Acordou sorrindo. Sentou-se na cama e fitou a coruja. Estava feliz por perceber que tinha algo de errado com o mundo, mas não fazia ideia de como chegar à resposta que tanto queria: o que estava acontecendo e como sair dali. Comeu seu arroz com feijão e fez a única coisa que podia: reuniu os amigos.
        Estavam os cinco do lado de fora da escola, irritados por terem sido praticamente coagidos a matar aula pelo amigo. Sério, Luís começou:
        - Amor, sobre o que conversamos hoje de manhã?
        - Várias coisas, amor, o escândalo do pai que foi preso, as eleições...
        - Isso! Me diga, o qual o cargo que seu pai queria alcançar quando ainda estava na política? - não deu tempo para ela responder - Rei? Em um estado democrático? Que tal presidente? - Larissa fez uma cara estranha de surpresa, mas antes que pudesse falar qualquer coisa, Luís já voltara a falar - Édson, você é apaixonado pela Taís e pretende se declarar hoje de noite. Como eu sei disso se você me planejava contar hoje depois da aula?
        - O quê? Você... como você sabe?
        - Exatamente - sorriu - Daniel, me desculpe tocar no assunto, mas como a sua irmã morreu?
        - Cara, o que é isso? Porque você ‘tá estranho assim hoje? Mas que...
        - Só fala, caralho! - gritou Luís. Os amigos podiam sentir o quão tenso e sério ele estava.
        - ...o vizinho atropelou ela.
        - Qual o carro dele? Certamente não é um Morris Minor 1948, é? E sabe porquê? Por que estamos em 2006, cara. Ninguém usa carros da década de 40 - sorriu - mas foi esse carro que eu vi na garagem do seu vizinho.
        Por um segundo, o silêncio foi cortante.
        - E finalmente a cereja do bolo. Vocês todos lembram do pai que foi preso hoje. Taís, qual era a sua idade e qual era a idade do cara com quem você perdeu a virgindade?
        Ela ficou vermelha por um instante, e então compartilhou a cara de espanto dos amigos.
        - Eu tinha 14 e ele tinha 23.
        - Todos nós vamos morrer no passeio de hoje de noite. Isso já aconteceu, e vai acontecer de novo. Espectros dentuços vão nos devorar - seu sorriso ganhou um toque de insanidade - lembram-se? Lembram-se de como é morrer?
        Foi como se o mundo tivesse parado. De repente, corujas quebraram o silêncio. Cerca de vinte vinham voando atrás do grupo. Luís correu, chamando os outros. Após andar poucas quadras, eles perceberam os espectros, que começaram a cercá-los. E a velha cena repetiu-se. Aos poucos, todos os amigos de Luís eram assassinados pelas criaturas. Ao fim, só sobraram ele e a namorada. Ele se jogou na frente dela para salvá-la, mas foi tirado do caminho, e ela foi morta enquanto ele assistia a cena caído no chão.
        Os espectros e corujas pararam ao redor dele. Então a coruja falou:
        - Parabéns, jovem humano. Você é mais esperto do que parece, pena que de nada adiantará.
        Ele foi agarrado e então o mundo se desfez. Estava em uma sala sombria e feita de metal, dentro de algum tipo de cápsula. Ao seu redor, três humanóides vermelhos, de pele escamosa e olhos de cobra estavam o observando. Eles falavam em uma estranha língua de silvos, e após tirá-lo do local, o carregaram até uma máquina. Quando olhou por uma janela, Luís notou que estava no espaço. Na sala da máquina, vários outros seres vermelhos estavam presentes. Um deles apertou um botão que ficava em seu colar, e então falou:
        - Seja bem vindo, humano. Meu nome é Glaxytriaxu - fez uma pausa e esboçou algo que pareceu um sorriso, mas era impossível saber, visto que a visionomia de seja lá o que fossem aquelas criaturas era muito diferente da dos humanos - Você é muito inteligente, conseguiu ver através da nossa ilusão, eu...
        - Eu exijo explicações! Onde estão meus amigos, porque eu estava em loop!? - interrompeu Luís.
        Os seres guincharam e falaram coisas em sua língua estranha.
        - Você terá todas as suas explicações. Em primeiro lugar, olhe para a tela. - disse, apontando para um telão no topo da sala. Lá, podiam ser vistos todos os habitantes da cidade dentro das mesmas cápsulas em que ele estivera.
        - Eles estão sonhando - disse Glaxytriaxu - sonhando o mais doce dos sonhos: o último dia da Terra.
        Luís ficou mudo, olhando assustado.
        - Explico: no ano de 2006, uma frota de govraxuanos atacou a Terra e destruiu o planeta. Guerra e essas coisas, entende? Alguns têm de morrer para outros triunfarem. É a vida - suspirou - Então, em nome de meu povo, peço desculpas, terráqueo. Bem, vendo o desperdício que seria destruir um planeta e perder tudo de interessante que havia lá, nós, antropólogos do governo, salvamos os espécimes de uma certa cidade, vocês. Então, baseando-se em suas memórias, construímos uma realidade virtual de seu último dia lá, e estudamos vocês. As corujas servem como câmeras com zoom em tempo real, porque temos poucas fixas por lá. Ah, elas servem de auto falantes também, como você pôde perceber.
        Luís continuou embasbacado com a verdade.
        - Vai ficar quieto? Bem, esperava alguns comentários mais sagazes de sua parte. As anomalias que você viu no mundo são resultado de um vírus projetado por um maldito estagiário, que descobrimos ser um rebelde infiltrado tarde demais. Sorte nossa que ele era um gozador, e em vez de apagar nossos arquivos, fez um monte de modificações bobinhas.
        Glaxytriaxu parou por um momento e fitou Luís seriamente. Então continuou:
        - Os vultos negros são um tipo de guarda do mundo virtual, eles, por exemplo, lhe matam quando você chega no limite do mundo. Nossos computadores não conseguem emular a Terra inteira, sabe? O máximo que conseguem é a cidade, então tivemos que colocar limites nas coisas. Bem, acho que tudo foi explicado. Agora é hora de apagar suas memórias.
        - Não! Me mate, mas não me faça voltar para lá, por favor!
        - Ah, desculpa, mas ninguém pode sair, sabe? O estudo têm de continuar. Se lhe serve de consolo, você nem teria para onde ir, e morrer não é legal. Até mais, e obrigado pela sua ajuda nos nossos estudos. Tenha uma boa terça-feira.
        Luís gritou como um louco enquanto era colocado na máquina. Não queria voltar a viver aquela mentira. Queria fugir daquela vida viciosa, mas era incapaz de fazer qualquer coisa. Por um tempo, houve dor, e depois tudo escureceu.
        Acordou gritando. Suspirou. Viu uma coruja na janela. Como era cedo, ligou o videogame e começou a jogar. Perdeu a primeira partida por 3x1.

Nenhum comentário:

Postar um comentário