terça-feira, 19 de outubro de 2010

O Deserto

Bem, já fazia um belo tempo que eu não postava nada, então aqui estou eu, com esse meu novo conto. Já faz umas duas semanas que eu escrevi ele, mas não tive tempo de revisar para postar (leia-se: tive preguiça).
A história se baseia nas coisas que acontecem em um estranho e mórbido deserto, que fica perto de uma pequena cidade chamada Palmeiras, criando um mistério em torno da causa de tudo isso.
Boa leitura!




O Deserto

        Era uma tarde quente e seca no deserto, como todas as outras, aliás. As únicas criaturas vivas ali eram alguns lagartos, que se escondiam nas fendas do solo rachado, buscando proteção do sol, que brilhava como uma bola de fogo no céu. Todas as árvores estavam secas e mortas, e somente erva daninha crescia naquele lugar tão desolado.
        A temperatura passava facilmente dos quarentas graus, e a umidade do ar era tão baixa que parecia sufocar. Quem olhasse em volta, seria pego por uma grande e avassaladora solidão, pois não veria nada em nenhuma das direções, além de algumas montanhas rochosas ao norte, que pareciam estar infinitamente longe, olhando aquele canto esquecido por Deus.
        Já era quase meio dia, e agora os abutres começavam a chegar, prontos para um belo almoço. Seu objeto eram dois corpos que estavam jogados no meio de uma pequena depressão. Uma mulher e um homem, ambos mortos há um tempo considerável. Pouca coisa se podia dizer deles agora, depois de terem chegado a tal estado de putrefação, mas notava-se que eles usavam roupas leves e uniformizadas de verde, com a insígnia típica dos guardiões do deserto, conhecidos como Águias.
        Os Águias começaram nos anos 60, como uma liga de biólogos que estudava os estranhos fenômenos que aconteceram na área nos anos anteriores, tais como a seca e a destruição do ecossistema todo do lugar. Sua líder, uma mulher forte e vigorosa conhecida como Ana, morreu tentando descobrir o motivo que causou a destruição de uma área de mais de cem quilômetros quadrados de campos verdejantes em um deserto morto e cruel. Mas mesmo assim, deixou um legado, e centenas de curiosos, pesquisadores e renomados biólogos invadiram o lugar no final de 1998. Hoje, mais de dez anos depois, os curiosos e os biólogos de nome deixaram o lugar, preocupando-se mais com o aquecimento global ou com blogs de sensacionalismo na internet.
        Ficaram somente os bravos homens e mulheres que juraram descobrir o segredos do inóspito deserto. Até hoje, eles ainda se perguntavam se tais segredos existiam, ou se a culpa era do tal aquecimento global. Porém, Margareth e Victor nunca mais se perguntariam isso.
        Pois os abutres estavam devorando o fígado deles agora.
        A mulher tinha trinta e nove anos e era uma solteirona formada em biologia sem muito sucesso na carreira, gostava do deserto, e não se arrependeu de morrer da forma que tinha morrido. O homem era ateu. Se orgulhava de não precisar de Deus algum, na verdade, sua divindade era a Ciência, um ser divino dos tempos atuais, dizem alguns. Ele morreu aos vinte e oito anos.
        Pela estrada velha e pouco usada, vinha um carro de polícia, andando à toda velocidade. Em cinco minutos, esses dois seriam somente números. Números 41 e 42 na verdade.
        Dentro do carro, Cecília olhava para o relógio, aflita. Odiava aquele emprego, e era tudo culpa de seu pai. Ao seu lado, Rodolfo roncava alto, quando quase se engasgou, acordou, coçou a barba, e voltou a dormir. Nos bancos da frente, Mathias limpava os canos da 12 e sorria, ele amava aquele emprego. Finalmente, quem dirigia o carro era Aluísio. Ele parecia calmo e sereno olhando através de seus óculos escuros. Assim que o carro parou, todos pularam para fora, a não ser Rodolfo, que teve de ser acordado pela colega.
        Nem chegaram a caminhar muito até acharem os corpos, pois tanto o Comandante Aluísio como Mathias já tinham estado ali antes, no dia anterior. Os pensamentos da policial continuavam na cidade, mas ela se esqueceu de seus compromissos assim que viu aquela cena grotesca, mesmo já estando nesse serviço há seis meses, achava que nunca se acostumaria a ver cadáveres naquele estado. Após se recuperar das náuseas, ouviu Rodolfo reclamando:
        -Ah, mas que saco! Eles TAMBÉM estão decompostos! - virou-se para o céu – Por quê?!? Por que, meu bondoso Deus? Será que eu nunca encontro um maldito morto em bom estado nessa porcaria de deserto!?! Seus abutres filhos da...
        Mas Cecília não estava mais nem escutando nesse momento. Não queria estar ali, não queria ser uma policial. Ela agradecia ao Senhor por nunca ter tido de atirar em ninguém, mas já estava farta daqueles corpos, e principalmente daquele maldito deserto assassino. Esta era a quarta vez que ela o visitava, e sempre que o fazia sentia calafrios em meio a todo aquele calor. Parecia haver algo maligno lá, quase fantasmagórico, que a assustava até os ossos.
        Enquanto Rodolfo fazia a perícia e Mathias saboreava uma goma de mascar, ela sentou-se na sombra de uma árvore morta e tentou relaxar, sem sucesso. Então, foi lembrando de como sua manhã estava boa até ser chamada.
        Na patrulha matinal, ela não tinha feito absolutamente nada, pois estava tudo em ordem depois que eles haviam prendido alguns moleques arruaceiros. Na verdade, Palmeiras era uma cidade bela e calma. Com pouco mais de cinco mil habitantes, o município esbanjava simpatia e os policiais da cidade mais jogavam cartas e andavam na viatura observando o movimento do que qualquer outra coisa. O único que estava sempre ocupado era o comandante. O maldito parecia procurar algo de errado lá, somente para prender pessoas, gritar com elas e toda aquela idiotice que o pai dela adorava fazer quando ela era somente uma garotinha inocente. Mas não os culpava, eles foram ensinados a fazer isso desde que chegaram na corporação, podia-se dizer que não sabiam viver de outro jeito.
        Ah, era uma manhã tão bela! Até aparecerem os Águias. Eles exigiam a mesma merda de sempre, que os corpos de seus companheiros fossem tirados do deserto, que fosse feita uma perícia, o de sempre. Cecília tinha uma opinião muito própria sobre as mortes. Era o deserto que os matava, só poderia ser.
        Os corpos sempre apareciam mortos das mais diferentes maneiras no meio do nada. Corações perfurados, decapitações, pulsos arrebentados com pedras, eram maneiras de matar sádicas e perturbadoras para ela, mas mesmo depois de anos, ninguém nunca achou o serial killer. Os culpados variavam do prefeito, o padre, a moça da doceria, o pai dela (morto há anos), o comandante, o legista, ela (como poderiam pensar isso de uma garota tão meiga e sensível como ela!?!) e até mesmo o suposto fantasma de Ana. Essas últimas não faziam nem sentido! Por que os “homens da lei” ou mesmo um fantasma matariam as pessoas!?! Claro, quando ela era pequena, até suspeitava da esposa do doceiro, mas deixa pra lá.
        Corpos ensacados, missão cumprida.
        Na volta, Ceci (apelido de infância, dado pela falecida avó) estava realmente aborrecida.
        -Oh, Cecília! Me desculpe. - disse o Comandante Aluísio - Eu sei que você tinha outros planos para sua tarde de folga, mas o dever é o dever, não é?
        Ela resmungou alguma coisa em concordância e ficou quieta durante um tempo. Hoje tinha marcado um almoço com Tiago, e perdeu-o. Era um encontro! Um encontro com um homem bonito, inteligente e carismático da cidade! E por causa de dois malucos que insistiam em ficar naquele deserto arrepiante, ela o havia perdido. Sabia que não era a garota mais bonita nem mais feminina da cidade (tudo culpa do pai, que a criou como um menino), e que alguma vigarista agarraria ele assim que pudesse. Ah, faziam meses que ela não tinha um encontro...
        A viagem deprimente chegou ao fim quando o carro chegou na estação. Tristonha e sentindo-se fraca, ela decidiu ir para casa, onde se atirou na cama macia e pensou na vida, dormindo logo em seguida.
        Seus sonhos foram aterrorizantes, era noite e ela estava perdida no deserto, e atrás dela, a mulher do doceiro corria com uma faca gigantesca! Quando acordou, Ceci não sabia se ria ou se chorava, pois estava mortalmente assustada, mas tinha de admitir que fora o sonho mais engraçado que ela tivera em semanas.
        Pouco antes de ser chamada pela mãe para jantar, a garota pensou uma última vez se deveria desistir de ser policial, como aliás estava planejando por semanas fazer. No início, influenciada pela família, ela havia seguido essa carreira, mas agora perguntava-se se isso era o certo, se valia a pena seguir por um caminho daqueles. A cada dia notava que levava menos jeito para lidar com mortos e com todos aqueles problemas. Enfim, decidiu que salvar as pessoas não era problema dela e que logo iria parar para poder viver uma vida que considerasse mais feliz.
        Durante o jantar, a mãe perguntou:
        -Ceci, minha querida, a salada está boa?
        -Sim, mãe, como sempre! Mas... o tio Bob não vinha jantar hoje?
        -Ah, querida, ele teve um trabalho. Sabe como é essa vida de caminhoneiro, né?
        -Sei... - respondeu ela, preocupada com suas ervilhas.
        Durante a noite, o deserto era escuro e frio. Em noites de lua nova como essa, então, era um breu total. Nada se movia na profunda escuridão, a não ser os lagartos, eternos habitantes do lugar. Se Cecília estivesse lá, acreditaria completamente nas histórias de fantasmas, pois os uivos do vento eram geravam um lamurio fantasmagórico e aterrador.
        A única luz vinha de um caminhão que chegava rapidamente pela estrada. Este parou quando avistou dois Águias emergindo do meio das trevas, freando bruscamente. Bob desceu lá de dentro, perguntando:
        -O que diabos aconteceu com vocês? Estão loucos, porra!?!
        Só então ele notou que as costas de um deles sangravam muito e que o outro estava todo sujo de poeira e com uma expressão lunática em seu rosto, babando como um neném. Assustado, o caminhoneiro fez a última pergunta de sua vida:
        -Vocês são fantasmas!?! Ei, ei, QUEM É VOCÊ!?! PORRA!!! SEU FILHO DA...
        Horas depois amanheceu. O caminhão continuou jogado no acostamento da estrada, e agora, três corpos estavam jogados no chão, servindo de lanche para os abutres locais.
        Cecília acordou feliz, tomou um banho gostoso e demorado e então vestiu-se para ir trabalhar. Decidiu que aquele seria um ótimo dia! E parecia estar dando certo, pois logo no caminho, ela encontrou Tiago, desculpou-se e marcou um jantar, como forma de se redimir. O jovem também parecia bastante animado, o que deixou a garota mais radiante ainda. Durante o dia, nada aconteceu, e assim, a policial ficou ainda mais feliz. Tudo parecia estar dando certo, então, ela se sentiu confiante para pedir sua demissão. O comandante tinha recém acabado de chegar da cidade vizinha, e agora conversava animadamente com Mathias sobre futebol. Era chegada a hora da verdade.
        -Então, como eu dizia, chefe, o Barcelona está muito mais forte esse ano, o Real não tem chance!
        -Aí é que você se engana meu jovem! Esses garotos...
        -Comandante Aluísio? - Ceci se intrometeu na conversa.
        -Não precisa ser tão formal! Deixe disso, Cecília, você é praticamente da família! Mas escute aqui, você prefere o Real Madrid ou o...
        -É sério, senhor.
        Aluísio fechou a cara, fazendo uma careta. Em seguida dispensou Mathias, que foi receber o velho Wilson, que chegava da patrulha.
        -Pois fale, Cecília. Eu acho que sei o que você quer... Olhe, seu pai foi muito importante para nós, mas se você não se sente preparada para atuar na polícia, não tem problema...
        Ela sorria de orelha a orelha com a compreensão dele, até que Mathias gritou:
        -Emergência! Mais três mortos no deserto!
        Cecília pensou: “Só faltava isso agora” e já se preparava para correr para a viatura quando o comandante disse com uma voz doce:
        -Você não precisa ir se não quiser.
        -Desculpe, chefe, mas eu tenho de dizer uma coisa. - interrompeu Mathias - Um dos mortos pode ser o caminhoneiro Bob Truman.
        A garota entrou em pânico, mas não conseguiu gritar.
        Os quatro estavam na viatura, todos em silêncio. Cecília veio mesmo sob os protestos de seu chefe. Ela estava à beira do choro, simplesmente não conseguia lidar com aquilo direito. Quando parecia que ia sair daquela vida e daquela droga de trabalho, foi atingida por um baque desses.
        Parecia até castigo divino. Ela fizera pouco caso da morte de 42 pessoas, e agora, o número 43 era seu tio, que fora quase um segundo pai para ela. A mãe dizia que eram nesses momentos que se separavam os fortes dos fracos, e ela sabia que estava no lado dos fracos, mas mesmo assim, só naquele caso, seria forte. Por seu tio, para vingá-lo.
        Quando chegaram, ela não conseguiu conter-se em frente ao caminhão. Ver aquilo era como ter certeza do destino cruel que Bob tinha tido. Enquanto dois foram ver os corpos, o sempre confiável Mathias ficou ao lado de Cecília, que não parava de chorar.
        O que tinha acontecido com os corpos desta vez não poderia ser obra dos abutres. Todos os três estavam desfigurados e completamente dilacerados, restando somente alguns pedaços de carne espalhada pelos lados. A confirmação do caminhoneiro foi rápida, pois boa parte de sua cabeça ainda estava inteira. O que chocou Rodolfo foi a expressão de puro terror na face daquele homem. Ele nunca tinha visto uma carranca tão deformada com uma expressão de medo daquelas em cadáver algum. Os outros dois homens estavam em um estado pior ainda. O que causou toda aquela chacina não poderia ser humano!
        Perdida em lágrimas e dor, Ceci não conseguia mais nem pensar com clareza. Tentava se concentrar, mas o desespero e a vergonha por ter desistido do caso, que agora queria tanto resolver, a tomavam. De um subto, decidiu ver o cadáver, e quase foi impedida pelo colega, mas ela não era uma policial tão inútil, e o derrubou, correndo até a cena do crime.
        Olhou.
        Parou.
        Vomitou.
        E depois começou a chorar histericamente de novo. Aluísio tirou a pistola dela, dizendo qualquer coisa sobre ela não ter estabilidade emocional no momento para aguentar aquilo e ficar com uma arma na mão. Aluísio fez ela tomar alguns remédios e Rodolfo tentou encaminhá-la até a viatura, mas ainda sem ter controle emocional de suas atitudes, a garota correu para o meio do deserto, na hora em que o crepúsculo começava a chegar.
        Simplesmente vagou perdida por algum tempo, ignorando os gritos dos amigos. Cada vez mais o lugar ficava escuro, mas ela nem sequer percebia isso. Somente após tropeçar em uma pedra e machucar seriamente o nariz, ela se deu conta de que estava perdida no meio do deserto maligno, e de noite!
        Após chamar pelos companheiros, a tristeza deu lugar ao medo, principalmente porque ventava bastante e o ruído era quase sobrenatural. Com os nervos à flor da pele, Cecília gritou mais uma vez, totalmente em pânico. Então ouviu sussurros. No momento seguinte, achou que tinha imaginado tudo, mas então eles recomeçaram. Poderia ser somente o vento, mas ela podia jurar que os sussurros lhe mandavam procurar pelo assassino. Procurar por pistas, ou por qualquer coisa que ajudasse a fazer justiça. Claro, ela estava ficando louca, isso era óbvio. Não havia outra explicação.
        Mas tudo parecia tão real! Em pouco tempo, os sussurros eram vozes, gritos até. Ela não sabia para que lado ficava direção nenhuma, não sabia nem quem era ela mesma, pois parecia estar estranhamente ligada com o deserto agora. Foi nessa hora que ela teve a absoluta certeza de que aquele não era um lugar maldito, pelo menos não em sua essência, pois todas as vozes pareciam lhe confortar, lhe guiar, como se quisessem vingança, sim, era isso que eles queriam. Ouviu seu tio Bob, ele gritava, ralhava com ela, dizendo para ir hora para a esquerda, hora para a direita, e cada vez ela parecia estar mais próxima de seu objetivo desconhecido. Até que chegou no lugar onde tinha ocorrido mais um assassino, esse fora o primeiro que ela vira, cinco meses atrás, bem no meio do deserto.
        E então ela viu. Viu uma câmera filmadora. Estava a mais de cinquenta metros dali, mas Deus sabe como, ela enxergou. No caminho, fantasmas dos mortos começaram a acompanhá-la. Bob estava orgulhoso dela. Margareth sabia que valia a pena ter morrido por aquele deserto, por aquela causa e Victor, bem, mesmo morto ele ainda não acreditava em Deus. Olhando longe dali, estava Ana, orgulhosa da jovem policial, sua aparição translúcida sorria. Se esses fantasmas fossem somente alucinações, seriam as alucinações mais reais da vida de qualquer um.
        Claro! Essas câmeras foram instaladas pelo governo três anos antes. Elas deveriam ter as imagens do assassino em algum lugar! Mas...
        Ouviu o barulho de um revólver sendo engatilhado atrás de sua cabeça.
        Agora tudo fazia sentido.
        -Hum, que boa garota que você foi, Ceci! Já descobriu quem é o assassino?
        A garota estava séria, e ficou calada por alguns instantes, até dizer:
        -Você, Comandante Aluísio.
        O homem gargalhou, e então mandou a garota se virar lentamente. Ele sorria tão lunaticamente quanto o cientista morto por ele na noite anterior.
        -Só tenho uma pergunta, “senhor”. - disse ela, com um tom de ironia.
        -O quê?
        -Por quê?
        A expressão do homem ficou sombria.
        -Por “ele”. - Um sorriso demoníaco se abriu em sua carranca feia. Os olhos dele ficaram completamente pretos e seus dentes, pontudos. - Por nosso Senhor! Aquele que rasteja pela noite, escondido nas sombras... Esperando o momento do triunfo, o momento em que nos levará pelo caminho da Glória. Você entende isso? Você entende, humana? Esse deserto, é obra Dele! É só uma pequena demonstração do Vosso poder!
        Toda a segurança de Cecília se esvaiu em um segundo, ele era um demônio!?! O que era aquilo?
        -Não, você não entende, mas você vai conhecê-lo logo, no inferno!
        Ele atirou nela, mas errou o tiro. Todos os fantasmas pareciam tensos e também invisíveis aos olhos da besta de olhos negros. E então tudo foi rápido. Rápido e cheio de sangue. A garota foi baleada no peito, e então caiu, mas quando o demônio se aproximou, ela tirou a pistola que ele carregava no tornozelo e deu um tiro bem na cabeça dele. E depois outro, e outro, e outros... Após ter certeza de que ele tinha morrido, ela retirou a insígnia do pai de dentro do bolso da camisa, ela estava totalmente destruída pela bala.
        Então foi andando calmamente, sem senso algum de hora nem de direção, mas muito feliz por ter cumprido o seu dever. As vozes ainda estavam em sua cabeça, mas ela as ignorava, afinal elas sempre estiveram lá.
        Quando encontrou Mathias e Rodolfo, atirou neles, pois eles também eram demônios, os olhos negros nunca mentiam. Lhe doeu muito matar os amigos, mas agora ela era uma vingadora, então tinha de resistir à dor de acabar com seus amigos quando estes estavam possuídos.
        Também não voltou para a cidade de carro, eles podiam ter sabotado os freios, demônios são traiçoeiros, sabe? Chegou em Palmeiras somente no amanhecer, faminta e cansada. Lá encontrou Tiago, que foi correndo ao seu encontro. Dois tiros e ele estava morto. Um demônio a menos no mundo. As vozes lhe guiavam agora, e estavam mais forte! Até a voz de Tiago e do seu pai lhe sussurravam no ouvido.
        Sim, o pai sempre lhe sussurrava ao ao ouvido depois que eles acabavam de “brincar” sozinhos no quarto dele. Ele dizia: “Não conte à mamãe, certo?”, e ela não contava, porque amava ele. No início doía, mas ela amava ele. Só que ele morreu. E a deixou sozinha com as vozes. Tiago agora estava junto dela também, e todos iriam derrotar os demônios juntos! Pois ela ainda era a garotinha do papai, ela iria casar com Tiago, que era tão bonito. E quanto aos colegas policiais? Eles estavam todos lá, juntos, lhe dando força.
        Mais sete pessoas morreram naquela manhã, até que o velho Wilson, com ajuda dos moradores locais, conseguiu desarmar e prender a garota.
        Finalmente, Cecília foi presa em um hospício e esquecida lá pelo povo da cidade. Só que agora ela era feliz, sem polícia, sem morte, sem mais demônios, somente com papai, seu marido e seus amigos policiais. Eles tinham longas conversas todos os dias, e estavam todos contentes por terem acabado com a ameaça demoníaca.
        Ela foi diagnosticada como um caso grave de esquizofrenia sem recuperação e sentenciada a ficar trancafiada pelo resto da vida. Além disso, estranhos alucinógenos foram encontrados no sangue dela naquela manhã, parecia que ela tinha se drogado com alguma droga muito forte.
        Quarenta e dois anos depois, o deserto não mais existia, agora em seu lugar havia uma bonita e verdejante floresta. Essa é a lenda de Palmeiras, passada de pai para filho, sobre a floresta que virou deserto e que depois voltou a ser floresta. Mesmo assim, alguns dizem que ate hoje ouvem murmúrios demoníacos na imensidão da mata durante as noites de lua nova.

Um comentário:

  1. Como eu escrevia mal em 2010, hein? Se alguém ler isso, por favor, me desculpem pela tortura.

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