sexta-feira, 27 de agosto de 2010

3 Tiros

O que posso falar sobre esse meu novo conto? Bem, escrevi ele hoje, já pensando em começar o blog. Ele conta a história de um bandido sem nome e seus companheiros, que vivem em uma cidade baseada em Nova York (mas sem nome, também).
É sobre amor, amizade,morte e tiros, 3 Tiros.


3 Tiros

       BANG! BANG! BANG!
       Três tiros e a garota já estava morta. Johnny ria alto e histericamente, talvez aquele retardado achasse a cena toda engraçada.
       Todos estavam em um beco escuro e esquecido do centro, tarde da noite, como sempre. Thomas e Jefferson estavam parados perto da rua, fazendo a vigia, enquanto Matt e eu lidávamos com o “problema”, ignorando Johnny, que fazia um barulhão.
       O procedimento foi o de sempre, vasculhar o corpo à procura de uma carteira, jóias, essas coisas, e levar tudo embora. Achamos pouca coisa, alguns trocados somente. Mas na verdade, dinheiro não era nosso real objetivo, é claro.
       -Ok, cambada de inúteis, larguem essa carteira aí e vambora! Ah, e se deixarem alguma digital, vocês vão pro inferno antes de chegarem na cadeia. - Disse Matt. Todos concordaram em uníssono, alguns mais energicamente, como eu e o babaca do Johnny, outros com frieza e distância, como Jeffy.
       Corremos dali o mais rápido possível, antes que os porcos chegassem, se eles nos pegassem na cena do crime, estaríamos mortos. E eu não digo no sentido figurado da coisa, estaríamos realmente mortos, acordando num saco preto, virando presunto, sacou? É, amigão, eu nunca disse que a vida de bandido era moleza, principalmente se você é um dos mais procurados. Pode até ser divertida e render uma grana preta, mas cada noite pode ser a última.
       Certo, desde que comecei nisso, há cinco anos atrás, meu trabalho melhorou muito, de um simples ladrão que roubava para comprar cocaína, eu virei braço-direito de Matt, o Dono da Rua. Aposto que agora você está se perguntando o motivo desse título, não é? Calma, eu explico. Matt simplesmente controla o tráfico da Quinta Avenida, toda ela. Já conseguiu pegar o espírito da coisa?
       Cerca de uma hora depois da execução, eu já estava chegando em casa. Olhei para o relógio, eram quase seis da manhã. “Droga”, pensei, sabendo que teria de acordar cedo no dia seguinte.
       Eis a minha casa: um barraco mal-construído com três peças, que fede a mofo, devido à grande quantidade de tempo que fica abandonado por mim. A primeira peça depois que se entra na casa é a sala, que tem um sofá amarelo velho e rasgado, algumas cadeiras velhas de madeira, um armário com uma porta estragada, uma geladeira branca e um fogão, onde cozinho meu rango. Em contraste com tudo isso, um grande televisor de 42 polegadas de alta definição, com tela plana. Uma belezinha, comprada com o dinheiro do meu árduo trabalho na “firma”. Indo pela porta da esquerda, pode-se chegar ao banheiro, nada a declarar sobre ele, e pela porta à direita, atrás do sofá, o meu quarto.
       Fiz o caminho até meu quarto, parando para pegar uma cerveja na geladeira. Abri a lata e fui tomando ela até chegar lá. Era outro cômodo simples, uma cama de casal, uma escrivaninha, um armário para guardar minhas roupas e a minha velha TV. Larguei os casacos pesados que usava no chão e fui me despindo, ao mesmo tempo que entornava a latinha de cerveja. Sem vontade de ir até o lixo na sala para me livrar dela, abri a janela e joguei-a no meu pátio mesmo.
       Caí na cama, adormeci.
       Nem sequer lembro o que sonhei naquela noite, só sei que pela manhã acordei atrasado. Mesmo sem tomar café e correndo como um louco no meu carro, não consegui chegar a tempo na casa do Thomas. Quando cheguei, quatro rostos irridatos me olhavam com um olhar assassino, e o chefe me deu uma grande bronca. Mas a vida continua, quem nunca se atrasou?
       Matt ia fazer um negócio milionário hoje, e se tudo desse certo, nós íamos receber nosso bônus de fim de mês também. No carro, eu já pensava em como iria gastar meu dinheiro, talvez comprasse um videogame novo.
       Enquanto estávamos no caminho até o ponto de encontro, começou a nevar.
       -Mas o dia estava tão bonito! - Exclamou Johnny, aparentemente se esquecendo de como a temperatura estava fria naquela manhã de inverno.
       -Eu gosto de neve... - Disse Jefferson, pensativo – Me traz boas lembranças... De tempos mais simples, acho eu.
       Era raro ver Jeffy comentar algo sem ser perguntado, ele fazia mais o tipo assassino frio, que ficava no canto brincando com suas facas ao invés de socializar com as pessoas, e eu estou falando sério, viu? Mas a neve estava realmente me  deixando nostálgico, também. Lembrei do inverno de 1999, eu tinha somente onze anos. Sabe de uma coisa? Já vi crianças que reclamam da idade que tem e querem crescer, mas elas estão erradas, afinal a infância é algo que você nunca mais recuperará. Naquela tarde em especial, eu estava fazendo um boneco de neve na frente da minha antiga casa, no subúrbio da cidade. Mas não era um boneco de neve qualquer, era o Sr. Boneco de Neve, um projeto que quando fosse acabado ficaria maior do que eu!
Ah, aquela foi a melhor tarde da minha juventude... Mas meus pensamentos foram interrompidos com a virada brusca do carro, que derrapou pela pista escorregadia e quase bateu num caminhão, escapando por um triz. Porém, Thomas não conseguiu voltar ao domínio do carro e bateu em uma árvore.
       -Filho da puta! Maldito! Desgraçado! - Matt esbravejava sem parar, rogando pragas contra o filho-da-mãe do Thomas, que quase nos matou naquela linda manhã.
       -O que aconteceu!?! Sua mula!?! - Eu perguntei, louco de raiva.
       -Tinha uma mulher na estrada!
Todos olhamos para a rua. Eu só vi a marca dos pneus e um motorista de caminhão que fazia um gesto nada educado para nós. Nenhuma mulher. Enquanto Matt gritava com nosso motorista desastrado, eu continuei olhando para a estrada, procurando a suposta culpada do acidente. Sabia que Thomas não estava mentindo, conhecia ele e confiava nele, aquele cara era como um irmão para mim.
       Fora ele que me apresentara à gangue de Matt, dois anos atrás. Cara, eu estava no fundo do poço, tinha sido expulso da minha casa e ninguém mais me queria por perto, eu nem tinha mais Roxanne comigo, minha amada Roxanne. A única pessoa que me estendeu a mão foi meu amigo Thomas, não, meu irmão Thomas.
       Mesmo que não tenhamos o mesmo sangue em nossas veias, devo minha vida a este cara. Nunca teria largado das drogas sem a ajuda incondicional dele. Sabe, eu faria qualquer coisa para ajudá-lo, ou ao menos pensava que faria naquela hora.
       O carro não andaria mais naquele dia, então Thomas ficou encarregado de esperar o guincho, enquanto nós quatro seguiríamos adiante com o plano. Pegamos um táxi, fomos até a casa de Johnny, onde pegamos seu carro e continuamos a árdua missão.
       O ponto ficava em outra cidade, então atravessamos a ponte que as ligava e entramos no “território inimigo”. Não nego que sempre me senti desconfortável daquele lado da ponte, era como estar no meio de uma zona de guerra, sendo ameaçado de levar um tiro a qualquer momento.
       O nome do cara com quem iríamos negociar era Vincenzo, um italiano que já mandava no tráfico de drogas há vinte anos. Teria sido uma negociação fácil, ganharíamos nosso bônus e de noite todos nós gastaríamos com as putas mais luxuosas da cidade para comemorar, mas não foi assim.
       BANG! BANG! BANG!
       Três tiros e Vicenzo estava caído no chão, esvaindo-se em uma poça de sangue. Eu nem consegui entender o que estava acontecendo e senti o braço de Matt me puxando, me levando para longe dos tiros, que dessa vez não foram três, e sim dezenas deles, de metralhadoras, escopetas, uzis, a coisa toda. Em um ato milagroso de Deus, fugimos de lá com danos mínimos, somente Johnny foi acertado, e de raspão, mas mesmo se ele morresse, o brutamontes não faria falta alguma.
       Quando o carro já estava em movimento que eu fui perceber a falta de Jefferson, e então um rápido flashback invadiu a minha mente. Fora ele que atirou em Vicenzo, um tiro no ombro e dois no peito. Logo depois, ele tinha sido rasgado por balas dos mais diversos calibres.
       Mas o que levaria um homem tão frio a simplesmente atirar em alguém tão protegido? Vingança? Dinheiro? Burrice? Eu nunca cheguei a descobrir.
       Matt praguejava novamente, maldizendo seu antigo guarda-costas e o mundo. Normalmente o chefe era mal-humorado, mas eu podia entendê-lo. Ele quase tinha ganho a maior bolada de sua vida hoje, mas uma das pessoas em quem ele mais confiava (acho eu) simplesmente destruiu tudo, e agora ele teria problemas com a mafia inteira. Aquilo era uma bosta até pra mim. Nessa hora pensei em passar umas férias na costa oeste, aproveitando o sol e as lindas praias.
       Atravessamos a ponte de volta. Ufa! De volta à nossa área, me senti muito mais seguro. Decidimos dar um tempo no centro, bebendo um pouco num bar qualquer. A atendente era uma bonita morena, que perguntou:
       -E vocês, rapazes, o que querem?
       -Um uísque duplo. - Pediu o chefe. - O mesmo. - Retrucou Johnny.
       Ela olhou para mim, e então memórias me vieram à cabeça mais uma vez, eu balbuciei qualquer coisa sobre vodca e segui absorto em meus pensamentos. Roxanne também era morena. Morena, alta e bonita, até um pouco parecida com a atendente do bar.
       A conheci na minha escola, nem lembro mais quando, sempre me pareceu que já nos conhecíamos desde sempre. Eu devia ser muito novo, pois em todas as memórias da minha juventude, ela estava lá, sorrindo pra mim. Foi minha primeira namorada e a melhor. A única mulher que eu posso dizer que eu realmente amei de verdade nessa vida. Seus beijos molhados me faziam esquecer do mundo, e me deixavam a cada dia mais apaixonado.
       Olhando para fora, vi a neve caindo, e lembrei de nosso primeiro beijo, em uma tarde fria e nevada perto do Sr. Boneco de Neve. Momentos assim ficarão para sempre guardados na minha memória, principalmente os com ela, que ainda guardo em um lugar especial no meu coração.
       -Aqui está.
Minha bebida havia chegado. Os dois ao meu lado conversavam sobre o que aconteceu, e estavam cheios de opiniões sobre a suposta traição de Jeffy.
       -Mas chefe! - Johnny suspirou. - É óbvio que alguém o enviou pra acabá com a negociação!
       -Não seja tão idiota. Ahhh, que saco... - Olhou para mim, com uma cara de quem pede ajuda. - Ele nunca faria isso, não é?
       -Hum... - Eu vacilei um pouco, sabia que se eu não falasse exatamente o que o chefe queria, ele ia soltar os cachorros em mim. - Concordo, chefe. Ele era de confiança. Talvez quisesse se vingar dele ou coisa parecida, você sabe como homens poderosos tem inimigos.
       -Sim, sim.
       Escapei dessa bem. Como não queria mais me colocar em confusão, fiquei somente bebendo minha vodca e dizendo que sim com a cabeça. Claro, eu não ia conquistar a simpatia do meu colega brutamontes assim, mas quem queria a simpatia de Johnny afinal?
       Ele era grande e mal. Pronto, essa era toda a descrição que aquela coisa sem cérebro merecia receber. Conhecido por saber atirar e bater muito bem, mas por uma deficiência gigantesca em usar a cabeça para outra coisa a não ser dar cabeçadas nas pessoas ou mordidas em hambúrgueres, esse era um homem do qual eu não queria absolutamente nada.
       Saímos do bar após mais uma rodada, e então eu ganhei uma carona até a casa de Thomas, que não estava lá ainda. Peguei meu carro e voltei para casa, estava me sentindo deprimido.
       O dia tinha sido difícil, e não eram ainda nem duas da tarde. Eu estava jogado no meu sofá olhando a TV. Passava uma novela mexicana ruim, mas eu tinha esquecido o controle remoto em algum lugar e estava com preguiça de ir pegar, então fiquei assistindo aquilo mesmo. Logo acabei adormecendo.
       Acordei com meu celular tocando, era Thomas:
       -Cara, eu preciso da sua ajuda!
       -Ahn? Que fala mais devagar, cara, 'cabei de acordar.
       Olhei pela janela, já estava escuro.
       -Sério, meu. Ela tá aqui, cara!
       -Quem tá aí? Ela é tão feia que você não quer encarar, cara? - Disse eu, debochando do meu amigo, mas quando ele falou novamente, sua voz parecia tensa, amedrontada.
       -A garota de hoje de tarde! Do acidente!
      Aquela voz me fez sentir um calafrio, algo estava errado, mesmo assim, continuei num clima de brincadeira, sem saber porque fazia isso. Acho que algo no fundo de mim estava com medo, mas do quê? Era só uma ligação de ajuda. Já recebi várias dessas, salvei meus camaradas e todo mundo sempre saiu bem dessas situações.
       -Ah, então diz pra ela te pagar um carro novo.
       -EU NÃO TÔ BRINCANDO!!! Sai daqui! Sai! SAAAAI!!! BANG BANG BANG!!!
       Três tiros ecoaram na minha mente pelo audio do celular. Eu fiquei desesperado de início, pensando em correr até a casa de Thomas, mas então, pensei: “Se ele atirou na mulher, não tem problema, talvez ele já a tenha matado”. De qualquer jeito, eu precisaria ir até lá.
       Mas foi só ligar o carro que meu celular tocou novamente. Agora era Matt, se ele falasse sobre a mulher ou qualquer coisa parecida, jurei que matava alguém naquela noite.
       -Você precisa vir até aqui imediatamente!
       -Mas por quê?
       -Só venha, se não quiser morrer. - E desligou na minha cara.
       Eu estava entre a cruz e a espada. Podia ir ajudar meu amigo, que não atendia minhas ligações, ou então seguir a ordem do patrão e aparentemente “não morrer”.
       Agora irei parar rapidamente a minha história para dizer algo muito importante: eu sou uma decepção de um ser humano. Sério, eu sou um lixo ambulante. Aliás, todos são. Você pode amar alguém, e mesmo assim magoar essa pessoa (oh Roxanne, como sinto falta de você), você pode deixar seu amigo, seu irmão na mão, pois o que realmente lhe importa é a sua maldita vida, com seus malditos problemas e seu maldito bem estar.
       Às nove horas dessa noite fria de inverno, eu tomei a segunda pior decisão da minha vida.
       -Muito bem. - Foi tudo que disse Matt assim que eu cheguei na “base de operações”, como ele gostava de chamar.
       -O que foi, chefe?
       Antes que eu obtivesse alguma resposta, Johnny me agarrou por trás e me segurou com a sua força de elefante e então meu antigo chefe e amigo apontou uma pistola para a minha cabeça.
       -Por que você me traiu?
       -O QUÊ!?!
       Matt me deu um soco, e meu nariz começou a sangrar, enquanto isso, o gigante me apertava ainda mais.
       -Foi você que traiu! Você que convenceu Jeffy a atirar! Eu sei, acha que eu sou burro!?! Maldito!
       Eu não fazia ideia do que ele estava dizendo para mim. Nunca conversara com Jefferson e estava tão surpreso quanto eles.
       -Não fui eu! Quem te disse isso!?! Está mentindo! Eu sou seu braço direito!
       Matt gargalhou, me acertando um soco no estômago em seguida.
       -Johnny me contou. Ele sim é um amigo leal, não um TRAÍRA COMO VOCÊ!!!
       Então ele desferiu vários murros encima de mim, sem dó nem piedade. Eu fui muito burro! Consegui ser passado para trás por uma ameba como Johnny! E ainda deixei meu amigo precisando de mim. Estava quase desistindo, quando o brutamontes riu e me deixou uma abertura para fugir. Dei-lhe um soco nas fuças, mesmo sabendo que não seria o suficiente, mas pude aproveitar a abertura em sua defesa para pegar meu revólver de volta.
       Atirei nos dois, mas acho que não acertei tiro algum, nem sei. Somente saí correndo a toda velocidade para longe dali.
       BANG! BANG! BANG!
       Três tiros foram disparados por Matt, mas nenhum deles me acertou.
       Os próximos minutos de minha vida foram obscuros e instintivos para mim, pois fugi dos tiros e entrei no carro, sendo perseguido ainda por algum tempo. Não sei como o fiz, somente sei que consegui escapar deles. Quando voltei a mim, já estava quase na casa de Thomas. Claro, era minha chance de se redimir.
As luzes da casa estavam acesas, e eu fui correndo rapidamente pelo jardim. Abri a porta da sala e então caí de joelhos com a cena que vi.
       Thomas estava morto.
       Tinha seu revólver favorito na mão e a cabeça aberta com um tiro, seus miolos estavam saindo para fora. Eu estava acostumado a ver isso com os outros, mas ele era meu amigo e tinha morrido por minha causa! Comecei a chorar, não conseguia aceitar o que eu estava vendo.
       Porra, aquele era Thomas, meu melhor amigo, meu ÚNICO amigo. Me senti devastado, então simplesmente me joguei ao chão e fiquei lá deitado. Pior do que tudo, ele tinha se matado, aquilo era um suicídio, disso eu tinha certeza.
       E eu não estava lá.
       Não estava com ele.
       Essa frase ecoou na minha cabeça, e então me perdi em lembranças mais uma vez.
       Era verão, um dia quente e bonito. Eu estava no parque com meus amigos. Mas que ano era?
       Sim, me lembro, era 2007. Eu já estava viciado em cocaína e estava com meus amigos junkies no central park. Como o sol era bonito.
       Eu roubava nessa época, e consumia muito pó, todos os dias. Vamos ver, eu tinha quantos anos? Dezenove. Dezenove é uma boa idade.
       Sabe duma coisa? Eu ia me casar. Adivinha com quem? Sim, com Roxanne, já namorávamos há oito anos, desde o dia do Sr. Boneco de Neve. Mas eu gostava mesmo era das drogas.
       Elas eram a minha paixão.
       Meu vício.
       Tinha começado por diversão, dois anos antes, mas nesse período elas eram mais importantes que tudo. Mais importantes até que minha vida. Eu estava falando com o traficante, um dos comandados de Matt, morto há um ano em um tiroteio. Só que nessa hora, Roxanne chegou lá, possessa como sempre por eu estar me drogando. Ela veio com uma lição de moral, que eu nem escutei. Ficava gritando comigo, dizendo que eu era inteligente demais para aquilo, que minhas notas na escola sempre foram boas. Ah, eu deveria ter ouvido ela com mais atenção.
       Mas com o tempo paramos de escutar, não é mesmo? E ela já reclamava há quase dois anos. Só hoje entendo como ela me amava, para ficar comigo mesmo depois de tudo que aconteceu. Só que ela começou a bater no traficante, dando-lhe bofetadas e gritando. Ele ficou bravo e...
       BANG!
       BANG!
       BANG!
       Três malditos tiros na mulher que eu mais amei em toda essa vida. Ela morreu por um motivo idiota, e eu jurei nunca mais me drogar, quebrando a promessa no dia seguinte.
Eu só consegui parar depois de muito tempo, mas aí já tinha manchado as minhas memórias com ela, e agora, meu único amigo morreu, por minha culpa!
       Enxuguei as lágrimas na manga do casaco e me aproximei de Thomas, coitado.
       Tentei imaginar quem era a mulher que tanto perseguia ele, até que encontrei um papel, onde estava escrito:
       Meu caro amigo, eu não aguento mais a culpa. Aquela mulher que matamos na noite passada estava grávida. E o filho era meu...
       Parei de ler. Ela estava grávida dele?!? Engraçado, mesmo depois de sair das drogas, olhe só onde cheguei, matando grávidas sem nem saber por que, somente para satisfazer as vontades de um filho da puta. Decidi continuar:
       ...mas eu não queria esse filho na hora, e ela devia muito ao chefe, por isso, não fiz objeções em matá-la. Mas agora a culpa me consome e eu a vejo em todos os lugares. Como pude me tornar tal monstro? Ah, meu Deus! Por favor perdoe-me! Eu só consigo pensar em uma saída, então, me desculpe.
       Dei um soco no chão após ler a carta e me sentei no sofá. Por mais estranho que fosse, era como se eu tivesse sido iluminado por aquela mensagem de despedida, pois eu decidi seguir em frente. Ia desistir de tudo, mas decidi que não, pois isso seria um desrespeito.
       Um derespeito por Thomas, que me salvou a vida.
       Um desrespeito por Roxanne, que dedicou sua vida a tentar me salvar.
       Com meus pais, que gastaram até o último fio de esperança em mim, até não aguentarem mais. Até mesmo comigo mesmo, por todas as vezes que prometi continuar em frente. Eu iria para a costa oeste! Começar de novo!
       Peguei minhas coisas, a carta e saí pela porta, reluzindo de felicidade, a noite até parecia mais bonita agora. Eu tinha certeza de que tudo ia melhorar!
       BANG! BANG! BANG!
       Três tiros foram o suficiente para Matt me matar, atirando pelas minhas costas.

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